Paranoia Agent (2004)
Eu já senti vontade de receber férias da vida como um todo, de ser salvo da existência por alguma espécie de milagre, independente de sua forma: podia ser a morte de um tio rico desconhecido que me trouxesse uma herança inesperada, talvez um prêmio na loteria, e até mesmo um acidente. Enquanto eu assistia a Paranoia Agent, vi este sentimento familiar tomar conta de inúmeras personagens e de toda uma sociedade, e me dei conta de algo: nos meus piores momentos de complacência, eu também quis ser salvo por Shounen Bat. Eu quis receber uma pancada que me elevaria de fracassado em sobrevivente, que faria com que todos olhassem para mim com pena, atenção e interesse, um golpe que me desobrigasse do dia a dia por um tempo.
Enquanto este golpe não vinha, eu encontrava salvação no outro lado do espectro, na alienação confortável produzida por Maromi. E qualquer pequena obsessão poderia se encaixar no lugar do cachorrinho: Star Wars, histórias em quadrinhos, jogos de video-game, e mais recentemente filmes em geral e jogos de RPG. Qualquer forma de distração profunda o suficiente para facilitar o esquecimento do dia a dia, capaz de criar um outro mundo habitável no qual eu estivesse no controle.
A versão extrema desse sentimento também aflinge os personagens de Paranoia Agent. Incapazes de entender Shounen Bat, ambos os detetives se retraem para seus próprios mundos de sonhos, sejam eles representações idílicas da infância e de um Japão que não existe mais, seja o mundo da fantasia no qual somos os protagonistas capazes de vencer o mal. Vemos estes mundos do ponto de vista de seus próprios criadores, e por isso eles parecem perfeitos, fazendo com que a vida alienada parece agradável. Mas não nos deixemos enganar, pois aqueles que optam por este caminho são melhor representados pelo personagem do Otaku, obcecados e manipulados por aqueles objetos, trancados em seus quartos escuros, incapazes de se relacionar com o mundo ao seu redor.
Satoshi Kon parece argumentar que a salvação não se encontra nem no milagre nem alienação, como nos demonstra a personagem de Misae Ikari — a esposa do detetive Ikari. Ela é a única capaz de confrontar Shounen Bat, de impedir o seu ataque, justamente porque consegue ver que ambos os polos são dois lados da mesma moeda: a alienação e o milagre são apenas formas de fugir dos problemas. São métodos através dos quais é impossível criar uma vida estável e feliz, gerando inclusive monstros capazes de grande destruição.
Através de Misae Ikari, e também da jornada de Tsukiko Sagi, Satoshi Kon nos diz que estrada que devemos seguir é aquela que aponta para frente, que nos leva a confrontar nossos problemas. Isto não garante que estes confrontos terão resultados favoráveis para à nós, mas essa dúvida faz parte do risco de viver, da aposta diária que constituí nossa existência. Parece assustador, e é mesmo. Mas seguir em frente é infinitamente melhor do que ser consumido pela angústia de ficar parado, do que ser paralisado pela insegurança e a ansiedade, do que o desejar sumir e ser salvo. Não existem Shounen Batos, nem deuses e milagres. Cabe a nós, com o apoio daqueles que amamos, encontrarmos nosso próprio caminho de salvação.