Quatro cenários para o governo Bolsonaro — parte I: olavistas e militares

Paulo Campos
4 min readMar 25, 2019

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A partir de longas conversas com minha companheira Jennifer Ribeiro, quero traçar quatro possíveis cenários para o futuro do governo Bolsonaro. Importante ressaltar que são cenários esquematizados, no qual presumo as possíveis ações dos atores relevantes a partir de minha interpretação das informações que chegam até nós. Não pretendo realizar aqui um exercício de previsão do futuro.

Nesta primeira parte, busco caracterizar três atores relevantes. Por tratar-se do futuro de um governo fragmentado, fruto de uma nova coalizão de interesses, acredito que a melhor forma de tratá-lo seja dividi-lo em segmentos (ou facções), descrevendo brevemente quais são suas motivações e interesses. Simplificações serão feitas aqui para que a análise torne-se possível em um texto que se pretende curto e inicial.

Nesta peça o protagonista é o presidente Jair Bolsonaro. Uma figura errática, de biografia conhecida por todos após o processo eleitoral. Um deputado inexpressivo nas grandes questões nacionais durante a maior parte da sua carreira, que decidiu concorrer a Presidência da República em 2014 “nem que fosse para ter 10%” dos votos. Não se preparou durante sua vida política para o cargo que hoje ocupa, e como consequência sofre diariamente com a divulgação de esquemas típicos do baixo clero, como acumulação de imóveis, uso indevido de verba pública e uso de funcionários fantasma.

Antes da eleição, essa figura medíocre assistiu a construção de uma grande coalizão de interesses ao seu redor. A partir de um núcleo de bolsonaristas originários, muitos dos quais seguidores de Olavo de Carvalho, o presidente conquistou a alta hierarquia militar, a burocracia jurídica (e em especial os responsáveis pela Operação Lava-Jato) e setores do mercado financeiro internacional e da burguesia nacional brasileira.

Durante a campanha, através da massiva rede de contatos construída no Facebook, no Twitter e no Whatsapp (e aparentemente coma utilização de métodos ilegais), e também do apoio das igrejas evangélicas, Bolsonaro massificou sua mensagem, atingindo boa parte da população brasileira. O atentado contra sua vida rendeu-lhe um crescimento exponencial em exposição televisiva, e o candidato rompeu as barreiras de seu núcleo mais radical, atingindo ampla maioria eleitoral no segundo turno.

Fiel a sua promessa de não nomear ministros visando agradar partidos, Bolsonaro nomeou-os de acordo com o pertencimento aos setores da sociedade civil que o apoiaram durante a campanha. São estes setores que cumprirão a função de atores nos cenários que planejo esquematizar na terceira parte.

O primeiro é o núcleo ideológico, ou, como ele se refere a si mesmo, anti-establishment. O grosso de seus números parece vir das fileiras intelectualizadas dos seguidores de Olavo de Carvalho. Este setor vê-se como um continuador das manifestações de direita que tiveram parte importante no golpe contra Dilma Rousseff em 2016. Em sua concepção, são os fundadores da verdadeira direita brasileira, nacionalista, ocidental em seus valores, alinhada aos EUA em oposição ao “terceiro-mundismo” da esquerda. Defende uma agenda reacionária moralmente, opondo-se ao feminismo, ao movimento negro, a defesa dos direitos LGBT. Evocam a imagem de um Brasil passado idílico e inexistente, em que não havia luta de classes e toda a população vivia em segurança. Esse passado é muitas vezes associado a ditadura civil-militar de 1964.

Neste grupo, são relevantes o próprio Olavo de Carvalho, o assessor para assuntos internacionais Filipe Martins, os ministros da Educação e das Relações Exteriores, e dois dos filhos do presidente: Carlos, o vereador do Rio de Janeiro que age como pitbull do pai nas redes sociais, e Eduardo, encarregado da construção de uma aliança internacional da extrema-direita, principal entusiasta da aproximação com o governo norte-americano de Donald Trump. Seu projeto de nação ainda não foi apresentado de forma coesa, sendo uma tarefa futura consolidá-lo a partir das declarações destes atores.

O assessor Filipe Martins tem tomado para si a tarefa de construção intelectual do regime. Por enquanto, realiza-a em seu Twitter, no qual argumenta que a função da ala ideológica é mobilizar o eleitorado conservador do presidente para que se possam realizar as reformas neoliberais.

O alto escalão militar entrou no governo Bolsonaro com a clara missão de tutelá-lo. Viram no capitão reformado uma oportunidade da caserna retornar ao poder através das urnas, do clamor popular, em oposição ao golpe que havia os levado ao poder em 1964. Aceitaram o candidato apesar de suas extravagâncias, e em função de seu apoio popular. Ocupam hoje cargos chave na administração federal. O gal. Augusto Heleno, antigo comandante das forças brasileiras no Haiti, é visto como o principal conselheiro do presidente. O gal. Hamilton Mourão ocupa a vice-presidência, e tem constantemente se contraposto ao presidente Bolsonaro. Este posicionamento lhe rende constantes críticas do setor olavista, que o vê como uma ameaça. Na sociedade civil, também é comum a visão de que Mourão visa substituir Bolsonaro.

Os militares trabalham para que Bolsonaro torne-se um presidente “sério”, que governe para todos os brasileiros. Ou seja, defendem que a instituição da presidência tenha relevância em relação ao próprio Bolsonaro, algo que os olavistas rejeitam explicitamente. Junto com a equipe de Paulo Guedes, os militares fornecem a parte técnica do governo. Em oposição ao setor econômico e ao olavista, os militares veem com maus olhos a aproximação acrítica dos EUA, rejeitando a participação brasileira em uma eventual ação militar para derrubada do governo Maduro.

Na segunda parte deste texto, buscarei caracterizar brevemente outros dois atores: o “mercado” (capital) e a burocracia jurídica (Lava-Jato). Na terceira parte, desenharei os quatro cenários possíveis que enxergo no futuro do governo Bolsonaro.

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Paulo Campos

Mestrando em Ciência Política na FFLCH-USP. Escrevo sobre cinema e política. Linktree: https://t.co/q71AbFTOge